JavaScript não suportado

 

[JORNAL DO COMMERCIO] O lixo que salva também traz riscos

MARIA LÍGIA BARROS
mligia@ne10.com.br

O momento de pandemia em decorrência da covid-19 pede cuidado redobrado com a forma que se trata o lixo, porque ele é mais um meio de contágio do novo coronavírus, de acordo com a bióloga e professora de Gestão Ambiental da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Soraya El-Deir. Sobretudo no caso dos rejeitos produzidos por quem está doente e em isolamento domiciliar. E a população mais vulnerável a essa forma de contaminação são os trabalhadores da limpeza urbana, serviço considerado essencial e ao mesmo tempo invisível a muitos.

Segundo a pesquisadora, é possível afirmar que as pessoas já estão se infectando dessa forma. Isso porque já se sabe da capacidade do vírus de sobreviver por horas ou dias em certas substâncias. “Na hora que eu descarto um material que tem resquícios de coronavírus, ou por contato dentro da casa ou de fora, ele vai continuar com um potencial de gerar o contágio para terceiros.”

Novos estudos têm indicado que esse tempo é ainda maior que inicialmente pensado. “No cobre ele passa 4 horas, no papelão pode chegar a 5 dias, plástico até 3 dias, aço até 3 dias, madeira 4 dias. vidro 5 dias. A pesquisa diz que, a depender das características de umidade e temperatura, alguns podem chegar até 9 dias”, alertou.

Como ele apareceu em lugares de temperatura e umidade mais baixas que no Recife, ainda não se tem clareza do impacto da temperatura tropical no coronavírus. “Achava-se que acima de 26º, 27º C ele não iria sobreviver. E, pelo que gente está assistindo em Manaus, onde temperatura média e umidade relativa do ar são extremamente elevadas, o que está parecendo é que esses dois fatores estão favorecendo a adaptação do vírus.”

O perigo é grande especialmente para os catadores de recicláveis informais. “Eles já têm potencial de comorbidades, porque trabalham em alto nível de insalubridade, e em sua maioria moram em habitações subnormais onde convivem em realidade de aglomeramento diário e não há oportunidade de afastamento social”, explicou.

“Eles são uma classe considerada ‘transparentes sociais’. Os que estão dentro de uma associação ou cooperativa correspondem a cerca de 10 a 15%. Os demais estão num processo de extrema vulnerabilidade. O governo não os enxerga”, apontou Soraya El-Deir. Por isso, é provável que estejam trabalhando sem equipamento de proteção individual (EPI).

A especialista diz que há cerca de 3 mil catadores não cadastrados no Grande Recife. “Esses que estão na rua pegando nas ruas aleatoriamente terão contato com esse resíduo e sofrerão o contágio. Essa é uma rota que está muito clara.”

A limpeza urbana é considerada serviço essencial pelo decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas a recomendação da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) foi suspender a coleta seletiva enquanto durar a pandemia. A Abes defende que os coletores sejam contemplados com o auxílio emergencial do governo federal.