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[PLANO CÍTICO] Crítica | Mar de Sangue, de Arnaud Mattoso

 

por Leonardo Campos em 23 de julho de 2018 @planocritico

Engraçado observar como Mar de Sangue é um romance oportunista. O autor é um dos maiores defensores das causas dos tubarões em Recife, aponta constantemente o filme de Spielberg como culpado pelo imaginário de sanguinolência destas criaturas, no entanto, utiliza o tema como material narrativo para uma versão romanceada sobre os ataques de tubarões que tornaram a região um dos lugares mais perigosos para curtir a praia. O romance não chega a ser horroroso. O problema é o didatismo que não combina com o tipo de narrativa.

Há outras maneiras de advertir sem ser tão explícito ou atrapalhar o desenvolvimento da história. Sabe aquele tipo de livro que interrompe a ação bruscamente para inserir um dado social “forçado”? Pronto, se você já leu algo assim, saberá mais ou menos a sensação que é desfrutar o texto literário de Arnaud Mattoso, material que, repito, não é demasiadamente ruim, mas perde impacto por dois motivos: o primeiro, já citado, é a interrupção pedagógica, já o segundo, menos problemático, mora na proximidade da história com as narrativas policiais hollywoodianas. Lembra muito quando o cinema brasileiro adentra na seara investigativa. Já percebeu? Os profissionais são estereotipados, não há muita proximidade com o tempo e o espaço narrativo, elementos que ganham aceitação por conta da mundialização da cultura que bebe frequentemente nos formatos estadunidenses.

O romance começa em 2016, ano eleitoral em Recife. Desde 2013 não há registros de ataques, mas infelizmente, a jovem Raquel, moradora da comunidade do Bode, é morta por um tubarão-tigre enquanto nadava tranquilamente na praia. Com o incidente, o festival de verão na Praia de Acaiaca pode ser cancelado. Quais os impactos disso tudo para o turismo e para a imagem de uma das capitais mais badaladas do nordeste brasileiro? Em um ano eleitoral, quais os desdobramentos diante de incidentes com tubarões na praia? Como lidar com a situação?

O inicio até promete. O autor traz trechos do romance Tubarão e a seguinte passagem de O Lobo do Mar, de Jack London, publicado em 1904: “encarei aqueles olhos cinzentos e cruéis que poderiam muito bem ser de granito, pois não continha a luz e o calor da alma humana, afinal, a alma humana se agita nos olhos de alguns homens, mas os deles eram desoladores, frios e cinzentos como o próprio mar”. Citação melhor não há, concorda? O clima da abertura com epígrafes tão bem escolhidas se perde um pouco adiante.

Depois do ataque somos apresentados aos principais personagens. Carlos Pena é o professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, um homem preocupado com o assunto, com diploma de uma universidade na Flórida e participação em congressos mundiais. Ele é o equivalente ao delegado do romance de Benchley e do filme de Spielberg, com exceção da hidrofobia. Florides é a mãe de Raquel, uma mulher aparentemente humilde que é informada da morte da filha pelo rádio. Demétrius Souza é o Secretário de Defesa Social, um homem às vezes asqueroso que trabalha constantemente com José Caravaggio, o presidente do Instituto Banho Seguro, e Bruna, a sensual assessora de uma instituição importante para a história. Juntos, os personagens precisam discutir se é válido ou não o cancelamento do evento diante dos possíveis incidentes com tubarões.

Em suma, Mar de Sangue é o extremo oposto de Mitos e Verdades Sobre os Ataques de Tubarões no Recife, livro que delineia o talento de Arnaud Mattoso no mercado editorial, isto é, um escritor investigativo, criativo e direto, mas com intimidade com o texto jornalístico. É como crítico de cinema que sabe construir um filme em sua concepção mental, mas na prática não consegue dar cabo da missão. Mar de Sangue é fraco, sem pulso, morre na praia, tal como muitas vítimas dos ataques de tubarões ao redor dos litorais no planeta.