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A Água e o Resto

Por Edleide Maria Freitas Pires*

Ao se pensar ou falar em prevenção de doenças, como é o caso da atual Pandemia do Coronavírus, a água vem em primeiro pensamento. Como falar em lavar mãos, usar sabão, toalhas limpas, em casas limpas, desinfecção de roupas sem antes pensar em água?

A indisponibilidade de água nas regiões de seca ou nas residências da população menos favorecida é notória. Nem todos contam com água com qualidade satisfatória e em quantidade necessária às atividades, portanto pouco pode se fazer na falta para minimizar a propagação de uma pandemia, como a do COVID-19 do início de 2020. Em vista dessa condição necessitamos desenvolver estratégias com a pouca água que temos. A alternativa de poços rasos, tipo cacimba, utilizados em várias comunidades não é a melhor recomendação, mas é o que tem pra já. Nas periferias urbanas, cacimbas suprem a falta de saneamento público, sendo usadas pela população para diversos fins, entretanto não se trata de uma fonte segura. Em geral, águas de cacimbas urbanas não têm a qualidade desejada ou recomendada. A construção de filtros simples produzidos com recursos naturais pode ser uma alternativa que já devia existir.

Filtros têm a finalidade de reter partículas em suspensão e pela filtração a carga microbiana fica também reduzida. Com a água, aparentemente, limpa é possível completar o processo com o uso de cloro, na forma de hipoclorito líquido, encontrado em lojas especializadas na comercialização de produtos destinados a limpeza de piscinas ou conseguido nos programas de distribuição dos órgãos de saúde pública do Brasil. Para reduzir a contaminação da água de qualidade duvidosa, sugere-se a construção de um elemento de filtração simples por gravidade. Para isto, são necessários apenas pedras, areia e tonéis comumente utilizados nas residências para armazenamento de água.

COMO CONSTRUIR FILTROS SIMPLES E DE BAIXO CUSTO?

Material
1. Serão necessários 2 toneis, pedra (do tipo brita) e areia. Todo esse material deve
ser higienizado antes da montagem.
2. Solução a base de cloro (hipoclorito ou água sanitária).

Como montar o filtro?

1. Com auxílio de instrumento cortante, perfurar o fundo de um dos tonéis a fim
de permitir o escoamento da água.
2. No tonel com fundo perfurado colocar uma camada de pedra com,
aproximadamente, 25 cm. Sobre as pedras colocar uma camada de areia com,
aproximadamente, 40 cm.
3. Outro tonel, do mesmo tipo, bem higienizado, é colocado embaixo do tonel filtro
para coletar a água filtrada. Alguns toneis já possuem torneira na base. Este tipo
facilita o acesso à água filtrada.

Como filtrar a água?
1. A água retirada da cacimba é colocada no tonel superior.

2. Aguardar que a água passe para o tonel inferior.

Como descontaminar a água filtrada?
A filtração simples não remove todos os microrganismos presentes na água. Para garantir a qualidade da água para fins domésticos será necessário proceder a descontaminação.

1. Na água filtrada, aparentemente pura, coletada no tonel inferior adicionar uma solução sanitizante a base de cloro em quantidade proporcional à quantidade de água. Para cada 100 litros de água, adicionar 5mL (1 colher de sopa) de hipoclorito ou água sanitária.

2. Aguardar a reação do cloro por 20 minutos antes de utilizar a água filtrada e clorada para fins domésticos: higiene pessoal, higiene de utensílios de cozinha, do ambiente etc..

Como fazer a manutenção do filtro?
O material filtrante (pedra e areia) deve ser lavado para remover o material aderido nas pedras e na areia quando perceber que a vazão do filtro está reduzida ou com uma frequência pré-estabelecida.

1. Retirar, separadamente, pedras e areia do tonel.
2. Lavar com agitação manual os materiais, de modo a remover sujeiras aderidas.
3. Enxaguar as pedras e areia com água clorada em concentração mais forte (50mL para cada 100 litros de água) do que aquela usada para descontaminar a água filtrada.

Atenção: água tratada por processo simples tem destinação limitada. Pode ser usada para fins domésticos, mas não é indicada para consumo. A legislação para águas de consumo alimentar é específica e exige padrões de potabilidade que não são atingidos apenas com simples filtração e cloração. Nos tratamentos simples não estão contemplados, por exemplo, a retirada de substâncias químicas indesejáveis, como ferro, nitrato, cromo, bromo etc..

Infelizmente, sem água não tem higiene sendo impossível prevenir qualquer tipo de contaminação. Como recomendar a lavagem das mãos, de utensílios, higienização de alimentos a serem consumidos crus e das embalagens que chegam da rua e até em mudanças ou criação de hábitos saudáveis se grande parte da população não tem água e a destinação dos dejetos não é feita de forma correta?

Na constituição brasileira de 1988 (Capítulo II, artigo 60), o direito a água está implícito dentre os direitos sociais do cidadão, na referência aos “direitos à saúde e alimentação”.

Como gozar desses direitos se não temos água?

Recife, abril de 2020

*Profa Dra do Departamento de Tecnologia Rural da UFRPE