Publicado originalmente em: https://observatory.tec.mx/edu-news/opinion-coronavirus-education
Tradução: Prof. Julio Vila Nova (UFRPE – Departamento de Letras)
Andrés Garcia Barrios
Assim como qualquer outra crise na saúde, a pandemia de coronavírus (COVID-19) nos coloca frente aos temas cruciais da vida, entre eles a educação. Neste caso, estamos nos referindo à educação – ou reeducação – pessoal e coletiva, que nos permite encarar, juntos, um evento da natureza para o qual estamos precariamente preparados e informados. Educar a nós mesmos, tanto pessoal como socialmente, e de forma célere, é o desafio que encaramos hoje.
Para falar sobre isso, escolherei dois autores com pontos de vista convergentes sobre o tema. Primeiro, permito-me retomar a perspectiva do psicanalista Erich Fromm, sobre quem falei algumas semanas atrás neste mesmo espaço. Ela trata de quatro elementos que o autor considera como as bases fundamentais do amor, as quais me permito adaptar ao tema – amoroso, por certo – da educação. Quero acrescentar também a perspectiva do filósofo espanhol Fernando Savater, que também refletiu sobre a relação entre amor e educação, e cujo pensamento alcança sua dimensão máxima precisamente em tempos de crise social, como agora.
Savater fundamenta sua teoria dos valores éticos naquilo que ele denomina de amor próprio, esclarecendo que o cuidado com os outros é a forma mais eficaz de amar a si mesmo. Isso nos faz lembrar que todos nós dependemos uns dos outros, que estamos entrelaçados numa rede de relacionamentos tão próximos que, no final das contas, fazer o bem aos outros termina por trazer benefício a nós mesmos. A educação, que se ocupa de guiar as pessoas na busca do bem-estar delas, sempre acaba por se tornar o bem para nós mesmos. Num momento como este que vivemos agora, quando essa rede de relacionamentos está se estreitando tanto – ao ponto em que lavar as mãos pode prevenir uma pessoa de adoecer seriamente – o círculo virtuoso apontado por esse senhor espanhol se revela claramente.
Hoje, mais do que nunca, temos que nos educar junto com todo mundo. Para explicar o que isso significa, retomarei os quatro componentes do amor descritos por Fromm: cuidado, conhecimento, responsabilidade e respeito.
Salta aos olhos o fato de que o cuidado é necessário: no final das contas, trata-se do cuidado conosco mesmo e com os outros (que, savaterianamente, quer dizer a mesma coisa). Ou seja, fazer o necessário para evitar a doença e, se nós ou alguém próximo a contrairmos, fazer o que é preciso para curá-la e para não infectar os outros.
Isso é complicado quando pensamos no segundo componente da educação: o conhecimento. Quais são as melhores práticas para se conseguir esses objetivos acima apontados? Conhecê-las não é fácil. Aquilo a que denominamos “conhecimento” nos dá uma certa noção de certeza mas, na realidade, é algo inexato, para dizer de modo sucinto. Podemos aqui adentrar na seara das filosofias sobre os limites finais do conhecimento, mas isso não é necessário, por enquanto: basta dar uma olhada nas nossas práticas e instrumentos cotidianos usados para obter e transmitir informações, para nos darmos conta de como somos limitados. Agora, mais do que nunca, “grandes especialistas” em todas as áreas do conhecimento aparecem recomendando isso e aquilo outro, nos convencendo ou não, a depender da inclinação do nosso pensamento. A confiança na ciência nos fará seguir essas recomendações; outra posição nos levará a acreditar na vontade de uma força superior; a adesão a teorias conspiratórias resultará em nossa indiferença quanto a medidas de prevenção etc. A esses critérios pessoais será acrescentada uma imensa variedade de meios de informação cheios de contradição entre eles, e com muitas inconsistências, quase todos proclamando que estão a trazer a verdade. Qual o site mais confiável, quem é o jornalista mais objetivo, qual o parente ou amigo melhor informado?
Na crise atual, a escolha da fonte de conhecimento a que seguiremos para cuidar de nós mesmos implica grande responsabilidade, não apenas para nossa própria saúde, mas também para a dos outros, como já vimos. Essa responsabilidade é duplicada quando, ao nos colocarmos no papel de professores, expomos como conhecimento verdadeiro o nosso modo de pensar. Nesse caso, como diz o psicanalista alemão, a responsabilidade passa a ser “a resposta para o outro”, o que, falando sobre o coronavírus, é perigoso porque podemos colocar em risco a vida de outrem.
É aqui, creio eu, nesse desvelamento de nosso modo de pensar sobre as melhores práticas do cuidado, que se encaixa o quarto elemento de que fala Erich Fromm: o respeito. De acordo com ele, respeito é o reconhecimento de que a outra pessoa é diferente de mim e que eu devo sempre considerar sua liberdade de fazer seus próprios julgamentos. Numa época em que a ação coletiva é essencial, o respeito é a base para que a comunicação flua entre as pessoas. Para ensinar alguma coisa a alguém – sejam nossos filhos, nossos alunos ou nossos concidadãos – não há melhor ponto de partida do que o respeito, cuja dimensão essencial é tentar não se impor sobre os outros.
Gostaria de salientar, neste ponto, uma nuance particular que se esconde sob a tentativa de domínio do pensamento do outro. Alguns leitores podem achar uma besteira dar importância ao próximo tema, mas mesmo assim eu ouso sugerir que estejamos atentos a ele se, por alguma razão, ele me tocar. Refiro-me à satisfação que muitos de nós sentimos quando impressionamos alguém por conta do nosso conhecimento. Uma satisfação besta, talvez, mas tão importante para alguns que pode nos levar a propagar as informações mais infundadas e até mesmo absurdas, sem uma análise séria para confirmá-las. Afinal, é mais fácil causar impacto com nossas ideias oferecendo a alguém a imaginação do que o raciocínio lógico. O melhor aliado disso são as redes sociais, veículo ideal para as superficialidades.
Exatamente o oposto acontecerá se compreendermos o cuidado, o conhecimento, a responsabilidade e o respeito como formas de amar e educar mutuamente, diante da crise. Essa postura evitará a tomada de decisões precipitadas, a partir de nossos próprios critérios ou de critérios alheios, assim como evitará a sensação de felicidade por compartilharmos informações que não tenhamos conferido conscientemente.
Agora, assumindo meu papel de educador (o qual, na crise atual, inevitavelmente todos nós desempenharemos, como tenho dito), apresento meu ponto de vista. Primeiro, já que mencionei aqueles que acreditam numa força superior, posso afirmar, baseado em Fromm, para quem a razão e a espiritualidade formam um continuum, que toda aquisição de conhecimento sobre o cuidado diante da COVID-19, se feita de modo responsável e transmitida respeitosamente, carregará necessariamente uma esperança transcendental.
Em segundo lugar, quando se trata de questões de saúde, agarro-me firmemente ao conhecimento científico. Se a confiança no método científico não é suficiente, então basta um argumento lógico: considerando que é graças à ciência que todos nós sabemos sobre o coronavírus, que estamos atentos a sua evolução, e que tomamos cuidado para não contrair ou disseminar a doença somente porque confiamos no conhecimento científico, sugiro que continuemos atentos ao que a ciência descobre e compartilhemos essas informações com todos aqueles que queiram nos ouvir.
Para esclarecer a questão sobre quais as fontes mais confiáveis de informação “científica” atualmente disponível, entrevistei o Dr. Julio Frenk, ex-Secretário da Saúde do México e atual reitor da Universidade de Miami. Ele me explicou que “a fonte com maior autoridade no assunto é a Organização Mundial da Saúde (OMS). Outra fonte importante é a página do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.”
Compartilho as recomendações do Dr. Frenk porque conheço suas qualidades frommianas e savaterianas como cientista e como professor.
__________________________________________________________
Andrés García Barrios é escritor, comunicador e divulgador da ciência. É colaborador das revistas Ciencia, da Faculdade de Ciências da UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México); Casa del Tiempo, da UAM (Universidad Autónoma Metropolitana); e Tec Review, do Instituto Tecnológico de Monterrey.
__________________________________________________________