Edleide Freitas Pires*
Em tempo de quarentena janelas têm vida. Vejo da minha uma verdadeira mudança de comportamentos nunca antes observados. Homens em atividades domésticas suprindo suas próprias necessidades. Vejo desenvolvimento de talentos em uma máquina de costura que não para, seja noite ou dia. Vejo gente reunida a preparar jantar onde antes parecia que só havia um morador. Há também um notório aumento do número de luzes acesas nos prédios e reduzido número de veículos a iluminar as ruas. O silêncio dos bairros populosos foi exacerbado pelo barulho reduzido dos motores, onde os pássaros têm a notoriedade merecida.
A organização dos pássaros é invejável. Têm a hora de cantar. Sabiás apresentam seu show às 4hs e às 7hs. Bem-te-vis cantam mais alto e os menos talentosos ou nunca antes percebidos se espalham sem serem molestados por humanos e máquinas. De lá podem ver a minha também muito mudada. Vêm um corpo em movimento no mesmo lugar e nem sei se imaginam que se trata de uma esteira elétrica que me leva a algum objetivo antes desprezado.Podem querer entender o que se faz junto à uma janela a cortar papéis e pintar caixas de isopor. Nem percebem que é o despertar de um mínimo talento para a arte que valorizará baldes de gelo a partir de materiais de baixo custo e reciclados. Também podem ver o despertar de uma máquina de costura sem saber que se busca a reutilização ou até mesmo zelo para confecção de máscaras de proteção a contaminações.
Por dentro da minha janela percebi a quantidade de coisas desnecessárias e toquei a descartar e organizar seguindo a técnica do 5S. Então descobri que aranhas e cupins trabalham mesmo em tempo de confinamento compulsório. Percebi também que usos podem ser soluções para reparo de equipamentos há muito considerados obsoletos. Percebi que música faz bem à alma, gera paciência e impulsiona a vida e que tudo que se pensa para descrever uma vida reclusa no confinamento recomendado para proteção contra o poderoso vírus denominado Corona, alguém já pensou em tempo de cruel e injusta ditadura e referiu em músicas. Nesta o exílio também foi compulsório e sobejamente sofrido.
Um pensador já repetia como um mantra “o mundo vai mudar”. Este coincide com minhas perspectivas. No mínimo, os hábitos de higiene vão ser valorizados e, certamente, a população vai preferir água e saneamento básico a imensos estádios de futebol e, certamente, os políticos vão entender. Espera-se também que homens brasileiros se tornem autossuficientes, de modo a não se considerarem incapazes de gerir sua própria vida, suas próprias coisas e seu bem-estar.
A igualdade social ou, no mínimo, a redução dos desníveis sociais, vão ser valorizadas. A dificuldade de acesso a água e a alimentos com garantia de qualidade são fatores que nos colocam num nível de desigualdade preocupante. Esperamos que isto também mude. Vamos mudar, o mundo vai mudar e vamos aprender muito e, certamente, vamos melhorar.
* Edleide Freitas Pires é professora do Departamento de Tecnologia Rural da UFRPE