E já se vai meio século da criação do Curso de Engenharia de Pesca de forma pioneira na UFRPE. Tudo começou com o sonho de um reitor, o professor Adierson de Azevedo, que, com suas próprias palavras colocou: “Em 1969, conquistei a Reitoria da Universidade Federal Rural de Pernambuco. No discurso de posse, introduzi o dogma da interiorização com a frase: A Caminhada Seguindo o Sol. Rascunhei currículos para 11 novos cursos na UFRPE, mas a campanha deflagrada contra a minha administração só permitiu a criação de cinco, dos quais o de Engenharia de Pesca foi pioneiro na América Latina”. Então, em 13 de julho de 1970, por meio da Resolução 12 A-1970 do Conselho de Ensino e Pesquisa, surgiu de forma pioneira no Brasil, o curso de graduação em Engenharia de Pesca, cujo ingresso dos estudantes e as aulas tiveram início em 1971.
Vivíamos o momento em que com a reforma universitária de 1968, mudavam-se muitos parâmetros do ensino superior e com ela foram introduzidos: o vestibular classificatório, o regime de créditos, os programas de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado em muitas instituições e a divisão da graduação em partes: ciclo básico e ciclo profissional. No momento da reforma universitária, havia um clamor dos estudantes para o ingresso na universidade e o aumento de vagas. A SBPC foi um fórum importante do movimento visando à reforma do sistema universitário, do qual participaram docentes, pesquisadores e o movimento estudantil. Criticava-se o caráter elitista das universidades e denunciava-se a existência do regime de cátedra vitalícia. Tinha-se um professor catedrático que escolhia os seus assistentes, tornando-se senhor absoluto da área. Daí o movimento pela reforma indicava a necessidade de realização de concursos públicos para a admissão de professores, currículos atualizados para os cursos, além da ampliação da participação estudantil nos órgãos colegiados.
Nesse contexto, o então reitor recém-empossado naquela época, na UFRPE, encontrou resistências à implantação da reforma universitária e à criação de novos cursos, pois, até então, nossa universidade tinha apenas dois cursos superiores: Engenharia Agronômica e Medicina Veterinária. Em uma palestra, 38 anos depois da criação do curso, durante a I Semana Nordestina do Engenheiro de Pesca, ocorrida em São Luís do Maranhão, no ano de 2008, o Prof. Adierson de Azevedo revelou: “Para fazer com que a UFRPE pudesse tornar-se, legitimamente, uma verdadeira universidade, fui forçado a realizar entendimentos com autoridades que a ela não pertenciam, a fim de obter delas o apoio externo necessário para a criação, inicialmente do Curso de Engenharia de Pesca, cujos nomes, guardados até hoje em secredo, passo agora, a revelá-los ao grande público: Prof. Dr. Álvaro Vieira de Melo, primeiro presidente da Fundação de Ensino Superior de Pernambuco -FESPE (atual Universidade de Pernambuco-UPE); Engenheiro Ellen Yanovitz, Diretor Geral da empresa Moinho Recife, Dr. Augusto Lucena, Prefeito da Cidade do Recife; Prof. Petronilo Santa Cruz, ex-deputado federal e Chefe do Escritório da Representação da UFRPE em Brasília; Dr. José Francisco de Moura Cavalcanti, Ministro da Agricultura em Brasília; Dr. Mario Gibson, Ministro das Relações Exteriores, em Brasília, Prof. Reis Veloso, Ministro do Planejamento, em Brasília, quem mandou analisar o Projeto do Curso de Engenharia de Pesca, Prof. Marcos Maciel, Deputado Federal; Dr. Harlan Davis, Encarregado dos Assuntos Econômicos do Consulado dos Estados Unidos no Recife”. Os cinco cursos criados em 1970 foram Engenharia de Pesca, Zootecnia, Biologia (Bacharelado), Ciências Domésticas (Bacharelado) e Ciências Agrícolas (Licenciatura).
Entretanto, de forma pioneira, apenas o Curso de Engenharia de Pesca no Estado de Pernambuco. Esse curso foi posteriormente, no ano de 1972, criado também na Universidade Federal do Ceará, permanecendo restrito ao Nordeste por 16 anos, quando então, a Universidade do Amazonas criou, em 1988, o terceiro curso desta modalidade no país. Colocando-me enquanto sujeita dessa história da Engenharia de Pesca no Brasil, em dois momentos distintos, de 1980-1985, enquanto estudante de graduação do curso, tendo ingressado na UFRPE aos 19 anos e graduando-me em agosto de 1985 - fomos 14 concluintes nesse meio do semestre - e mais tarde, docente dos cursos de Engenharia de Pesca na Universidade do Amazonas, de 1990-2000 e na UFRPE de 2001-2019, posso afirmar que a Engenharia de Pesca no país foi crescendo e se fortalecendo. Atualmente, somos 26 cursos de graduação espalhados país afora, tendo alcançado todas as regiões.
O pioneirismo no curso de Engenharia de Pesca da UFRPE colheu bons frutos. Esse foi o primeiro curso da instituição a obter o nível de excelência e o conceito máximo de 5 no Exame Nacional de Desempenho de Estudante (Enade) instituído pelo sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinais), no ano de 2004, e repetiu o conceito em 2008. Para isso, contribuíram todos aqueles professores e estudantes, além dos funcionários de um dos menores departamentos da nossa UFRPE, mas que sempre muito se dedicaram a instituição. Aqui é importante destacar os primeiros professores titulares do nosso curso de Engenharia de Pesca, os japoneses Yoshito Motohashi e Johei koike. Sendo o primeiro Tecnologista em Ciências da Pesca, e o segundo Bacharel em Ciências da Pesca, formados pela Universidade de Pesca de Tóquio em 1949 e 1952, respectivamente. Em 1973 esses professores ingressaram no então Departamento de Pesca, nessa categoria funcional. Desde então, ao longo dos seus 50 anos, mais de 58 professores ligados diretamente ao ciclo profissional e, em torno de 1.250 profissionais foram formados em Engenharia de Pesca na UFRPE.
Nestes 50 anos de existência no Brasil, o curso de Engenharia de Pesca da UFRPE serviu de modelo para outras instituições que o foram implantando e aperfeiçoando a formação do profissional responsável pela produção de alimentos oriundos do ambiente aquático, na busca de meios e tecnologias para a exploração e produção de forma sustentáveis e aperfeiçoando os conhecimentos profissionais das grandes áreas de atuação como Oceanografia, Limnologia, Biologia Pesqueira, Aquicultura, Captura e Tecnologia do Pescado, Extensão Pesqueira e a própria Docência e Pesquisa nestas áreas. Para além da graduação, cursos de pós-graduação também foram sendo implantados nesta grande área do saber dos Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca. A formação gradual de especialistas, mestres e doutores foi permitindo a ampliação do conhecimento destes profissionais nas diversas instituições de ensino, pesquisa e extensão. A atividade reveste-se de uma importância que contribui para a segurança alimentar, visto ser responsável pelo desenvolvimento sustentável da produção de pescado, seus produtos e subprodutos e tem contribuído para a oferta de alimentos em todas as regiões do Brasil, seja pela ação da captura ou pela aquicultura (criação de organismos aquáticos), tendo ainda uma importante vertente no estudo dos estoques pesqueiros e seu manejo.
A Engenharia de Pesca participa do Sistema CONFEA/CREAs deste 1983, quando a profissão foi reconhecida através da Resolução CONFEA nº 279 de 15 de junho de 1983. Embora os cursos de Engenharia de Pesca no Brasil durante muito tempo se restringiram aos estados de Pernambuco e do Ceará, os primeiros profissionais começaram a atuar em várias regiões do país, principalmente no âmbito da extensão pesqueira, considerada pelas organizações governamentais como estratégica para o desenvolvimento do setor pesqueiro nacional. O Engenheiro de Pesca é um profissional de formação superior com competência para desenvolver o ensino, pesquisa, extensão, supervisão, planejamento, coordenação e execução de atividades integradas para o aproveitamento dos recursos naturais aquícolas, o cultivo e a exploração sustentável de recursos pesqueiros marítimos, fluviais e lacustres e sua industrialização. A crescente importância do setor pesqueiro mundial vem refletindo no aumento da oferta de alimento e na geração de emprego e renda. De modo semelhante, observa-se o crescimento desse setor econômico no Brasil em função do potencial e das condições adequadas ao desenvolvimento das pescas, artesanal e industrial, e sobretudo da aquicultura. Assim insere-se o profissional de Engenharia de Pesca condutor do processo de planejamento dessa atividade fundamentada na realização de estudos e pesquisas que permitam a exploração continuada dos recursos pesqueiros marinhos e interiores do país. E, nessa caminhada seguindo o sol, os profissionais formados na UFRPE exercem sua atividade diante dos desafios para o desenvolvimento sustentável do setor pesqueiro nacional. Que venham mais cinquenta anos de continuidade das ações e formação destes profissionais.
Maria do Carmo F. Soares (Engenheira de Pesca e Secretária Regional da SBPC-PE)