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Pesquisa aponta impacto na cadeia alimentar marinha do derramamento de óleo em Pernambuco

amostras de espécies contaminadas pelo óleo em microscópio

Equipe de estudos liderada por pesquisadores do Departamento de Biologia da UFRPE e do Departamento de Oceanografia da UFPE publicou artigo sobre o impacto, na base da cadeia alimentar marinha tropical, do derramamento de óleo que assolou a costa litorânea brasileira entre o segundo semestre de 2019 e o início de 2020. Publicada no periódico Marine Pollution Bulletin e destacada pelo CNPq, a pesquisa avaliou os efeitos do derrame de óleo sobre o zooplâncton, grupo fundamental na base das cadeias alimentares, durante a fase crítica do acidente ecológico. Os resultados iniciais já são preocupantes: apontam traços de ingestão desse óleo em larvas de caranguejo e em copépodes, crustáceos milimétricos que formam importante grupo na composição da fauna de invertebrados aquáticos, ambos relevantes para o zooplâncton marinho.

mãos de pesquisador com óleo na coletaO grupo examinou diferentes parâmetros dessa comunidade, como abundância, composição e percentual de organismos oleados, além da concentração de gotículas de óleo in situ, que poderiam estar disponíveis para ingestão pelo zooplâncton. A análise sugere que os copépodes e as larvas de caranguejo podem desempenhar papel crucial na distribuição do tamanho, na degradação e no destino final das gotas de óleo cru dispersas no mar, após derramamento de óleo em ecossistemas costeiros. Os pesquisadores alertam que esses grupos do zooplâncton observados com traços de ingestão de óleo também se encontram sujeitos a riscos, como lesões físicas e bioquímicas, mortalidade, redução da natação e aumento da predação, além de serem capazes de biomagnificar hidrocarbonetos de petróleo nas teias alimentares marinhas.

De acordo com o artigo publicado, a comunidade planctônica, formada por microalgas e micocrustâceos, larvas de moluscos e peixes, entre outros, é a base da maior parte das teias tróficas aquáticas. Uma fração desses organismos tem papel importante como produtor primário, produzindo energia através da fotossíntese, enquanto o zooplâncton é responsável pela transferência dessa energia para níveis tróficos superiores. Dessa forma, se o contágio do óleo tiver como consequência muita mortalidade na comunidade do zooplâncton, os organismos que se alimentam do zooplâncton e, por sua vez, os que se alimentam desses últimos organismos, vão sentir o impacto, que terá os efeitos propagados para toda a teia trófica, afetando a produção e o fluxo de energia ao longo dela.

Entre os prejuízos, pode haver diminuição de abundância das espécies e consequentemente impactos socioeconômicos negativos na pesca, tendo em vista que caranguejos e peixes que se alimentam de zooplâncton são espécies comumente exploradas nessa atividade.

Todas as amostragens, realizadas no ecossistema recifal, nas águas adjacentes da baía e na área de influência da pluma estuarina dos rios Ilhetas e Mamucabas, em Tamandaré, litoral sul de Pernambuco, registraram gotículas de óleo. A presença dos traços de óleo nas amostras demonstra que as grandes manchas observadas ao longo de todo o litoral brasileiro até o ano passado têm grande potencial de degradação em fragmentos menores. As gotículas de óleo foram encontradas com especial abundância numérica na pluma estuarina dos rios Ilhetas e Mamucabas.

professor MauroUm dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, o professor Mauro de Melo Júnior, Departamento de Biologia/Área de Zoologia/Leplanc (Laboratório de Ecologia do Plâncton) chama a atenção para a importância da continuidade dos estudos e trabalhos que contribuam para a redução de danos. “Num momento em que há cortes de investimento nas universidades públicas, não se afetam apenas a formação dos estudantes e as pesquisas em andamento, mas há um impacto direto na manutenção de diversos serviços à sociedade, incluindo a recuperação de ecossistemas essenciais à nossa sobrevivência e ao futuro das próximas gerações”, ressalta.

Desde o surgimento das primeiras manchas de óleo no litoral do Nordeste brasileiro, pesquisadores de várias universidades públicas iniciaram uma série de pesquisas sobre o impacto do óleo sobre os seres vivos e ecossistemas marinhos, incluindo várias campanhas de monitoramento e limpeza em todo o litoral de Pernambuco. De acordo com Mauro, somente no Departamento de Biologia da UFRPE, mais de 30 pesquisadores, incluindo docentes e estudantes de graduação e pós-graduação, realizam pesquisas em campo e em laboratório. Dentre esses estudos, destacam alguns que descobriram o impacto do óleo sobre os corais, gramas marinhas e o plâncton.

No geral, a equipe envolvida no estudo ressalta dois pontos principais que precisam de acompanhamento. O primeiro é a  necessidade de compreensão do impacto de um acidente como esse sobre os diversos compartimentos do ecossistema. O segundo é a necessidade de monitoramentos de longo prazo. A parcela do óleo que chegou à região costeira e entrou nos estuários, permanecendo ali depositado, pode constituir uma fonte crônica dessa contaminação para os sistemas costeiros e marinhos adjacentes, por meio das marés. Dessa forma, os impactos identificados na pesquisa que resultou no artigo podem se manter no ambiente por bastante tempo, o que reforça a necessidade de realização de pesquisas de longa duração. A medida permitirá melhor compreensão do impacto do derramamento do óleo e buscas de estratégias para mitigá-lo.

Em outubro de 2019, pesquisadores da UFRPE e UFPE foram pioneiros na descoberta da fragmentação do óleo na coluna d'água e o seu impacto na base das cadeias alimentares aquáticas.

PESQUISA

Para se ter ideia da magnitude do derramamento de óleo na costa litorânea brasileira, apenas entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, foram recolhidas mais de 5 mil toneladas de óleo e de resíduos oleosos na faixa litorânea entre os estados do Maranhão e do Rio de Janeiro. Em meados de 2020, foram identificados mais vestígios do óleo em algumas praias do litoral nordestino, somando 100 quilos coletados, segundo a Marinha do Brasil. Em face do acidente, com sérias consequências sociais, econômicas, ecológicas e sobre a saúde pública, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em conjunto com o CNPq, alocou recursos emergenciais da ordem de R$ 7,5 milhões para projetos de pesquisa que já se encontravam em andamento na época, coordenados por sete Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) com temáticas marinhas e dois Projetos Ecológicos de Longa Duração (PELD), localizados em estados nordestinos afetados de forma drástica pelo óleo.

Em maio deste ano, o MCTI realizou o Seminário Marco 1, para apresentar os resultados dos primeiros estudos  que tiveram o financiamento. Em campanhas realizadas no sítio PELD-TAMS, ou PELD Tamandaré, Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável, apoiado pelo CNPq, no sul de Pernambuco, logo após o acidente com o óleo, pesquisadores verificaram que pequenos fragmentos do óleo bruto haviam afetado animais filtradores, como ostras, corais, sururus, cracas e esponjas.

A costa sul de Pernambuco foi afetada de modo especial pelo derramamento do óleo. Mesmo após a retirada das grandes placas do óleo, parte do material ficou disperso na coluna d’água e foi sendo degradado em tamanhos menores, sobretudo pela ação das ondas na costa. Além de prejudicar a manutenção de estoques importantes de carbono nas águas marinhas, o óleo no mar atingiu de forma direta funções biológicas essenciais para a manutenção da vida aquática. A comunidade planctônica, parcela quase invisível de organismos marinhos, continuou sofrendo os impactos desse acidente ecológico, mesmo quando o mar pareceu limpo.

As pesquisas sobre o efeito do petróleo na biota planctônica ainda estão em sua fase inicial, mas, como demonstra o artigo publicado no Marine Pollution Bulletin, os resultados já são preocupantes. Além da continuidade das pesquisas no contexto do PELD-TAMS, as equipes dos laboratórios envolvidos pretendem ampliar o monitoramento em busca de mais informações sobre os efeitos da degradação das manchas de óleo na costa do estado de Pernambuco. Estão programadas avaliações da produtividade primária, estrutura e diversidade das comunidades planctônicas e mortalidade do zooplâncton.

FONTE: CNPq