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[FOLHA DE PERNAMBUCO] Nova geração renova a poesia pernambucana

Nova geração renova a poesia pernambucana

Esses escritores e escritoras estão em constante processo de diálogo com outras artes e ciências sociais

Por Bruno Vinicius  01/09/20 às 11H30 atualizado em 01/09/20 às 12H25

Fabrício Arteiro, Ágnes Souza e Ana Carla SantiagoFabrício Arteiro, Ágnes Souza e Ana Carla Santiago - Foto: Pedro Vinícius /e Acervo Pessoal

Não há maneira melhor de traduzir os espaços urbanos, sentimentos e questões existenciais como na poesia. Em Pernambuco, talvez, tenha os maiores exemplos disso. Terra de grandes nomes da literatura brasileira, a exemplo de João Cabral de Melo, Manuel Bandeira e a ucraniana Clarice Lispector, o Estado tem visto novas gerações crescerem a partir de referências, cenas e temáticas distintas. Inspirados em poetas contemporâneos pernambucanos - como Miró da Muribeca e Bell Puã -, esses escritores e escritoras estão em constante processo de diálogo com outras artes e ciências sociais, transformando a poesia em um ponto de conexão entre diversas cenas.

O poeta Fabrício Arteiro, 23, teve o primeiro contato com a arte ainda criança. Nascido e criado em São Paulo, conheceu a cultura hip hop na infância, vindo a descobrir o interesse pela poesia aos 11, quando já morava em Pernambuco. “Com 11 anos, vi Miró da Muribeca no Bar de Mamulengos. Cada palavra que ele falava, eu queria falar aquilo também. Estremeceu meu coração”, conta o artista, que também é ambulante, trabalha como entregador e cursa Letras na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

Cada palavra para Fabrício é valiosa. Ele gosta de compartilhar. Dividido entre o Recife e o Cabo de Santo Agostinho, recita poesias nos coletivos da cidade da Região Metropolitana (RMR). Seus versos, escritos e falados, falam de negritude, questões existenciais e sociais. “Falo muito sobre a negritude. Como é ser um jovem negro na cidade do recife e no cabo, que são as duas cidades que estou sempre. Falo muito sobre abordagem policial, repressão politica e história. Falo sobre amor, raiva e questões existenciais. Faço muito um paralelo sobre questão existencial e questão social”, conta a artista.

As palavras tomam outro tom na vida de Fabrício. Envolvido, também, com a música, ele lançou “Linhas de Ouro”, música de sua autoria no streaming.  Além disso, tem dois livros lançados e um sem previsão de lançamento. “Também trampo como músico na cena hip hop. Eu amo participar de sarais, mas agora tem mudado um pouco por causa da pandemia. Lancei o livro ‘Diário preto e suas mandingas”, em 2019, e um livro digital que é ‘O homem digitalmente urbanizado’”, conta o escritor, que também fez o design e imprimiu o primeiro livro por conta própria.

Poesia do cotidiano

O contato com a poesia também chegou cedo para Ágnes Souza, 28. Filha de um professor de língua portuguesa, começou a se interessar em leituras de Carlos Drummond, Manuel Bandeira e Cecília Meireles. “Eu comecei a ter um olhar mais curioso acerca dessa poesia que tem como centro o pequeno, o miúdo, e é o que eu hoje em dia mais prezo nos meus poemas, esse debruçamento sobre o que passa, muitas vezes, despercebido, por estar presente o tempo todo, por ser muito próximo e que, às vezes cega”, conta a escritora.

Ela lançou dois livros: o “Re-cordis”(2016) e “Pouso” (2020), ambos da editora Moinhos. Debruçando-se em pesquisa e revisão poética em torno da autoria feminina, a poeta argumenta que a poesia e a figura dos poetas nunca estiveram no centro das artes, ainda mais os marginalizados. Contudo, ela acredita que pode ser um fator fortalecedor.

“Esse movimento de descrédito às artes, sem nenhum intenção de romantizar, acaba fortalecendo essas poéticas que não deixarão de existir por conta de um plano político, é como disse Gilberto Gil no documentário Refavela 40, ‘a poesia é uma substância fraca... vale pouco na construção de vida material, mas vale muito na construção de vida subjetiva’, eu, como poeta, acredito que o ofício do poeta também.”, enfatiza Ágnes.

Sentimentos em rede

Em contato com essa forma de escrita desde os 12 anos, a poesia foi um escape para Ana Carla Santiago, 24. “Nessa época, eu passei por uma fase muito difícil, com ansiedade e depressão, e não entendia o que eram essas doenças e que eu as tinha, além de não me sentir à vontade de conversar sobre isso com as pessoas. Então, escrever sobre o que eu tava sentindo foi minha válvula de escape e acabou se tornando poemas”, conta a escritora, que acabou de lançar dois poemas na antologia “Poetas do Brasil”, e mantém um blog e perfil no Instagram, intitulado “Falando de Vera”.

De alguma forma, os sentimentos estão entrelaçados na poesia de Ana, mesmo aqueles que tratam de temáticas sociais, que a atingem enquanto uma mulher negra pernambucana. “Em relação às temáticas, varia muito porque escrevo muito sobre o que eu sinto no momento. Geralmente é sobre saudade, amor, dor de cotovelo, inseguranças, medos... e também tenho meu olhar social, principalmente quando se tratar sobre feminicídio, machismo, racismo e violência policial.  Acho que o cunho social também se mistura com meus sentimentos porque não consigo me desvencilhar disso.”, afirma.

Em meio ao descrédito às artes e com a crise editorial, Ana Carla acredita que fazer poesia é resistência no Brasil. “Fazer poesia (ou qualquer tipo de arte), apesar dessa crise toda que a gente tá passando e de ter um governo que não incentiva e descredibiliza a cultura, é continuar mostrando que a arte não vai morrer, apesar dos pesares.”, complementa.

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